quinta-feira, 31 de março de 2016

MADONNARO: mediando saberes na escola a partir do Salão Preto e Branco*


* Trabalho apresentado como comunicação oral no VIII Congresso de Pesquisa e Extensão & III Semana de Ciências Sociais UEMG – campus Barbacena. Barbacena (MG), Universidade do Estado de Minas Gerais, 2015. Os organizadores do evento ainda não deram satisfação quanto a publicação dos Anais.

RESUMO
Entre 2012/2013 fui bolsista do Programa Ciências sem Fronteiras, no curso de História da Arte, na Università degli Studi di Padova, na Itália. Em Verona, tive a oportunidade de participar de um curso na Scuola Internazionale dei Madonnari. Foi lá que tive o contato com essa técnica de pintura que remontava ao século XVI. O nome “Madonnaro” é em decorrência de aqueles primeiros artistas desenharem no chão, com materiais efêmeros como giz, carvão e cacos de tijolos, imagens da Madonna, ou seja, da Virgem Maria. Hoje, a prática deixou de ser um gênero estritamente religioso. Outros temas habitam o universo da técnica que, considerando os princípios tradicionais de pintura, se utiliza de recursos pictóricos como desenho, cor, claro-escuro e outros mais. Por se tratar de uma arte pública, feita ao ar livre, reúne ao mesmo tempo, o contexto de ateliê e galeria. É linguagem que comunica beleza, democratiza a arte e promove interação com o Outro. Conclusões estas obtidas a partir da pesquisa que culminou na monografia de conclusão de curso de Licenciatura em Belas Artes (UFRRJ) intitulada “Madonnaro: gênero, técnica e linguagem pictórica”. Após regressar ao curso de Licenciatura em Belas Artes na UFRRJ e ser selecionado como bolsista PIBID, dei início a um trabalho de investigação acadêmica e percebendo a potencialidade pedagógica do Madonnaro pensei um projeto a ser realizado com alunos do Ensino Fundamental II, do Colégio Wanderley Menezes, em Itaguaí (RJ). A proposta tinha por objetivo pensar conteúdos de arte e princípios de identidade a partir do Salão Preto e Branco, de 1954, e da prática Madonnaro. Como metodologia de trabalho optei pela pedagogia Triangular de Ana Mae Barbosa e os princípios analíticos propostos por Rudolf Arnheim. A experiência realizada possibilitou interligar conteúdos de História e Crítica da Arte, assim como, princípios técnicos de criação e execução em arte. Desmistificando, dessa maneira, os processos de concepção da imagem. Por meio da produção dos Madonnari, os participantes puderam explorar o carvão vegetal (preto) e o giz (branco) como possibilidades de criação artística. Intervir sobre o pavimento permitiu aos alunos compreender o espaço físico da escola como patrimônio a ser preservado. O contato com a técnica italiana de pintura propôs uma relação intercultural. Entender a importância do Salão Preto e Branco no cenário artístico e social brasileiro abriu caminho para a reflexão quanto à mobilidade social. Diante de tudo isso, foi possível aos alunos repensarem a si próprios como cidadãos autônomos e responsáveis inseridos numa coletividade.

PALAVRAS CHAVE: Arte Brasileira. Ciências Sociais. Educação. Madonnaro.


INTRODUÇÃO

Entre 2012/2013 fui bolsista do Programa Ciências sem Fronteiras, no curso de História da Arte, na Università degli Studi di Padova, na Itália. Em Verona, tive a oportunidade de participar de um curso na Scuola Internazionale dei Madonnari. Foi lá que tive o contato a técnica de pintura do Madonnaro, que remontava ao século XVI. O nome ‘Madonnaro’ é em decorrência de aqueles primeiros artistas desenharem no chão, com materiais efêmeros como giz, carvão e cacos de tijolos, imagens da Madonna, ou seja, da Virgem Maria.
Hoje, a prática artística deixou de ser um gênero estritamente religioso. Outros temas habitam o universo da técnica que, considerando os princípios tradicionais de pintura, se utiliza de recursos pictóricos como desenho, cor, claro-escuro e outros mais. Por se tratar de uma arte pública, feita ao ar livre, reúne ao mesmo tempo, o contexto de ateliê e galeria. É linguagem que comunica beleza, democratiza a arte e promove interação com o Outro. Conclusões estas obtidas a partir da pesquisa que culminou na monografia de conclusão de curso de Licenciatura em Belas Artes (UFRRJ) intitulada “Madonnaro: gênero, técnica e linguagem pictórica”. Após regressar ao curso de Licenciatura em Belas Artes na UFRRJ e ser selecionado como bolsista PIBID, dei início a um trabalho de investigação acadêmica e percebendo a potencialidade pedagógica do Madonnaro foi pensado um projeto a ser realizado com alunos do Ensino Fundamental II, do Colégio Wanderley Menezes, em Itaguaí (RJ). A proposta tinha por objetivo pensar conteúdos de arte e princípios de identidade a partir do Salão Preto e Branco, realizado no ano de 1954, e da prática Madonnaro.

METODOLOGIA
Como metodologia de trabalho foi escolhida a proposta Triangular de Ana Mae Barbosa – esta baseada na história da arte, na leitura de imagens e na produção artística – e os princípios analíticos propostos por Rudolf Arnheim. Como referencial ao Madonnaro recorri ao autor Felice Naalin, artista, pesquisador e professor-fundador da Scuola Internazionale dei Madonnari de Verona. A pesquisa realizada possibilitou interligar conteúdos de História e Crítica da Arte, assim como, princípios técnicos de criação e execução em arte. Desmistificando, dessa maneira, os processos de concepção da imagem. Todo o projeto foi dividido em oito encontros, correspondentes ao número de aulas obrigatórias ao quarto bimestre letivo do ano de 2014.
A primeira aula foi dedicada à apresentação do Madonnaro – “Madonnari” quando referente ao plural – os alunos receberam um texto impresso com as informações que seguem. Que técnica de pintura seria esta? Por toda a Itália observam-se artistas desenhando pelo chão. Durante o ano são realizados eventos pelo país reunindo esses ‘artistas de estrada’. A técnica é conhecida assim porque, no início, os artistas representavam com frequência a imagem da Madonna – Virgem Maria. Ao longo do tempo, o Madonnaro expandiu-se por outros caminhos. Hoje existe o Madonnaro sobre tela e também o Madonnaro anamórfico (perspectiva, ilusão de ótica) ou 3D. Pelo mundo, e não somente na Itália, se pratica o Madonnaro. Existem encontros dessa técnica, por exemplo, nos EUA e no México.
A história do Madonnaro remonta às origens do Cristianismo no que toca à temática. Numa época em que aparece nas catacumbas romanas a primeira imagem de Maria com o Menino Jesus. Ali teve início, talvez de maneira velada, o culto mariano. A partir do contato com a cultura pagã surgiram vários tipos de representação de Maria (Madonna). Com o passar dos anos, a Madonna como ideal de beleza, viria a influenciar para sempre a produção artística ocidental. A imagem de Maria, junto com aquela do Menino Jesus, a partir de 1539, com os Jesuítas, se tornaria o símbolo da fé católica. Diante de tudo isso, o ‘desenho’ da Madonna deveria ser uma cópia do original, ou seja, “(...) o primeiro retrato de Jesus de Nazaré e de sua Mãe.” (NAALIN, 2000, p. 26)
Enquanto técnica, o Madonnaro surge no século XVI, em Veneza (Itália). Por essa época se tem notícia de El Greco como um madonnaro. Artistas do Renascimento como, por exemplo, Rafael e Michelangelo eram as referências escolhidas para figurar nas ruas e calçadas. Os madonnari são chamados de ‘artistas de estrada’ por não terem local fixo para executarem seus desenhos. Já naquele tempo iam pelos santuários a “(...) reproduzir as obras de Rafael ou de Michelangelo ou mais simplesmente o aumento de qualquer imagem reproduzida em ‘santinhos’” (NAALIN, 2000, p. 18). Viviam das ‘ofertas’ dadas por aqueles que passavam para lá e para cá.
O Madonnaro é uma obra pública. Enquanto arte pública ele promove o diálogo e a interação entre o artista e o público. O que possibilita ao Madonnaro ser considerado uma linguagem. Por tradição é feito sempre ao ar livre. Isso o torna efêmero, ou seja, não possui durabilidade. Existe apenas no momento de sua criação. Logo é “(...) anulado pela primeira chuva ou pelos passos dos apressados pedestres” (NAALIN, 2000, p. 40). Por outro lado, o fato de não ser uma arte durável, permite que o Madonnaro seja executado nos mais diversos lugares sem sujar ou danificar o local. O Madonnaro é uma arte que dialoga perfeitamente com o espaço físico (escola, casa, prédios, calçadas, etc.).
O procedimento de execução de um Madonnaro é bem simples e particular. Porém, Naalin (2000) aponta algumas etapas no sentido de orientar os primeiros traços daqueles que se aventuram na prática. Assim, o aspirante deve ter em mãos uma referência pré-selecionada para um estudo estrutural (Escolha do desenho; cópia num papel; observação da estrutura linear e das cores...); em seguida, ele deve observar o pavimento, verificando a existência de buraco ou irregularidades, eliminando gomas de chicletes, evitando áreas com marcas de graxas ou outro resíduo químico; depois da escolha do pavimento se passa à demarcação a área (quadrado/retângulo); a realização de uma quadrícula (dividir espaços com ‘cruzes’ até formar uma malha) tanto no esboço em papel quanto no espaço demarcado pode ajudar na concepção da obra; o esboço do desenho pode ser feito com giz claro e linhas bem suaves; finalizado o esboço e definido a estrutura do desenho é possível marcá-lo com linhas mais firmes; por fim, o aspirantea artista madonnaro pode aplicar as cores. Vale lembrar que os primeiros Madonnari eram feitos com carvão, cacos de tijolo e giz.
Na aula seguinte, que resolvi denominar Madonnaro Livre, a intenção era que os alunos experimentassem a materialidade do carvão e do giz branco, além de explorar o suporte. Eles foram levados ao pátio da escola, localizado em uma área coberta, onde receberam os materiais e de maneira livre puderam desenhar pelo chão. Na verdade, a aula não transcorreu de maneira tão livre, haja visto que na aula anterior já fora comentado sobre o processo de execução de um Madonnaro.
Em um momento posterior se pensou um breve panorama histórico sobre o Salão Preto e Branco. Qual a importância daquela exposição? Quais artistas participaram do evento e foram fundamentais no desenvolvimento da arte moderna brasileira? Qual a proximidade da proposta do Salão de 1954 para com os objetivos pensados dentro do projeto Madonnaro? Como parte dessa contextualização se pretendeu identificar e estimular as possibilidades de criação e expressão a partir do preto e do branco enquanto recurso cromático. Iniciando assim, a formação de um pensamento artístico para a produção final do Madonnaro. Novamente foi passado aos alunos um texto impresso com as informações que seguem.
            O III Salão Nacional de Arte Moderna (1954) veio a consolidar uma ideia já proposta pelo arquiteto Lucio Costa, em 1931. Como diretor da ENBA (Escola Nacional de Belas Artes), Lucio Costa tinha a ideia de consolidar a arte moderna no Brasil. Enquanto diretor daquela instituição de ensino tratou de contratar professores com pensamentos modernos, além de rever a clássica Exposição Geral de Belas Artes e os prêmios de viagem ao exterior.
Assim, em 1933, a Exposição Geral de Belas Artes passava a se chamar Salão Nacional de Belas Artes. Na década de 1940, criaram-se duas divisões internas no Salão de Belas Artes: Moderna e Geral. O ano de 1951 marcaria a divisão definitiva. Organizou-se, então, o I Salão Nacional de Arte Moderna. O Salão Preto e Branco, a 3ª edição do SNAM, desempenhou um papel social de protesto contra a má qualidade das tintas nacionais e também contra as altas taxas impostas às tintas importadas. Aqueles artistas se mobilizaram e divulgaram um 'manifesto'. Nele estava escrito:

Nós, os artistas plásticos abaixo-assinados, apresentaremos no próximo Salão Nacional de Arte Moderna, a se realizar de 15 de maio a 30 de junho deste ano, os nossos executados exclusivamente em branco e preto.
Esta atitude será um veemente protesto contra a determinação do governo em manter proibitiva a importação de tintas estrangeiras, materiais de gravura e escultura, papéis (sic) e demais acessórios essenciais ao trabalho artístico; proibição esta que consideramos um grave atentado contra a vida profissional do artista contra os altos interesses do patrimônio artístico nacional. (abril de 1954)” (FERREIRA apud LUZ, 2010, p. 92).
           

A 'economia' do preto e branco enriqueceu a cultura brasileira a partir do viés social e artístico. A arte fora instrumento para o estabelecimento de uma mobilização com reflexos na sociedade. Da mesma maneira, era desejo que a experiência com o carvão e o giz branco enriquecesse a cultura pessoal de cada aluno. Enriquecimento esse que contribuísse para sua autonomia. Participaram daquela mostra organizada pelos pintores Iberê Camargo, Djanira e Milton Dacosta artistas como: Renina Katz, Sergio de Camargo, José Pedrosa, Carlos Scliar, Maria Leontina, Cândido Portinari, Aldemir Martins entre outros.
            Quanto aos procedimentos técnicos se ressaltou que o preto, o branco e o cinza poderiam ser considerados “tons” – dadas suas características acromáticas (mais adiante Klee tratará do assunto). Sendo possível, então, se estabelecer um contraste de intensa polarização entre eles. O branco num extremo e o preto no outro extremo. O ponto de encontro entre os pólos geraria o cinza. Com base nessa característica de neutralidade cromática e nas referências escolhidas a criação do Madonnaro deveria atentar à divisão de áreas. O cinza deveria ser observado como tom médio oferecido pelo próprio pavimento. As formas recortadas foram exploradas para dar corpo às imagens. Essa divisão de áreas também destacaria o uso de linhas. Enquanto o claro-escuro gera gradações, a forma recortada que delimita o espaço e destaca uma espécie de ‘linha de contenção’.
Para o desenvolvimento do processo prático de criação foram necessárias duas aulas. Mais uma vez recorri ao texto impresso como forma de comunicação sobre o assunto. Qual a diferença entre cópia e criação? A criação é transformar coisas em imagens guardando “um mínimo de aspectos estruturais” (configuração) e muita imaginação (formas). Essa imaginação é “(...) a descoberta de uma nova forma para um conteúdo velho (...). A imaginação visual é um dom universal da mente humana, (...). Ocasionalmente são ajudadas observando outras, mas essencialmente agem por conta própria.” (ARNHEIM, 1980, p. 132) Arnheim destaca a importância da referência. A potencialidade criativa que o ser humano traz dentro de si pode ser viabilizada por meio da observação da realidade e estudo da referências. A criação é invenção; a cópia é mera repetição.
Como acontece o processo de criação de um desenho, pintura ou qualquer outra obra de arte? Não existe uma receita para a criação; ela acontece naturalmente. Mas, há alguns procedimentos que podem auxiliar na criação artística. Procedimentos estes, não somente práticos, mas também aqueles de reflexão e pesquisa. Sendo assim, para criar um trabalho artístico, se deve pensar num tema, pesquisar referências e só então partir para os estudos/esboços. Nesta última etapa é que se deve prestar atenção a alguns elementos internos da obra de arte. São eles: equilíbrio, configuração, forma, espaço, luz e cor.
O primeiro passo é pensar em um assunto. Pode ser um sentimento, um esporte, uma releitura artística, etc. A pesquisa de referências é o passo seguinte. Aqui se pode recorrer a fotografias, recortes de jornais, palavras, imagens de outras obras de arte e etc. É válido lembrar que referência não é cópia. As imagens recolhidas devem servir como ponto de partida para a criação e não uma fonte de decalque.
Definido o tema e recolhidas as referências é urgente passar à etapa de estudos por meio de esboços. Várias possibilidades podem ser exploradas. Os estudos podem ser feitos sem preocupação com detalhes. Devem servir para estabelecer as noções gerais da composição. É a hora de explorar as várias possibilidades de transformação do assunto em imagens. Durante esse processo se faz necessário estar atento a como trabalhar alguns elementos próprios da criação artística, bem como estar aberto a qualquer ‘imprevisto’ que possa lograr inesperados resultados a enriquecer o resultado final.
“A experiência visual é dinâmica”, escreve Arnheim (1980, p. 04). Embora se trate de formas estáticas de representação existe movimentação visual no interior de algumas obras de arte. Podemos chamar essas movimentações de tensões, o que equivale aos ritmos de uma música. Deve-se compreender a diferença entre o centro geométrico e o centro ótico. Entendido isso é possível deslocar no espaço pictórico aquilo que é principal na composição da imagem. Desse modo, criando uma agradável e desafiadora estrada para a contemplação da obra. O que facilita a integração entre as partes e a totalidade da composição.
Enxergamos primeiro o geral para somente depois nos determos aos detalhes. Escreveu Arnheim (1980, p. 39): “A visão atua no material bruto da experiência (...).” Acrescenta ele que uma das formas de configuração é aquela em que “determina-se a forma física de um objeto por suas bordas (...).” (Idem) Outra forma de configuração é aquela que podemos chamar “expressiva”. A configuração expressiva cabe em outra definição proposta por Arnheim, ou seja, aquela em que se percebe um “(...) eixo principal característico que em realidade não existe no objeto.” (Idem, p. 40) O artista mantém a estrutura do objeto, mas usa de liberdade para ‘delineá-lo’.
A forma se diferencia da configuração pela ‘aparência’. Enquanto a configuração existe inteira, a forma pode ser ‘mutilada’. Trago como exemplo, o pescador de pé no barco estampado em xilogravura por Goeldi (Chegada do barco, s.d), representado dos joelhos para cima. Justamente os pés não podem ser vistos. A configuração geral abarcaria um único ‘contorno’ para o barco, os remos e os pescadores. As formas é que vão emancipar os objetos. Sendo assim, podem existir várias formas dentro de uma configuração.
Por sua vez, as linhas vão organizar os espaços formais dentro da área do suporte. Vários podem ser os tipos de linhas: reta, vertical, horizontal, etc. Existindo a possibilidade de se fazerem evidentes ou não; as ‘linhas de contenção’ podem estar ‘visíveis’ ou não no delineamento das formas ou áreas de cor. Ainda e termos de organização espacial, numa imagem dividida horizontalmente, a parte inferior tende a se aproximar enquanto a superior se distancia. Como outro recurso, as formas menores e estreitas podem ser captadas pela visão como figura e aquelas largas e maiores com fundo. A perspectiva é outra forma de interferir na relação espacial.
Vários estudiosos criaram teorias sobre o estudo da cor. O pintor suíço Paul Klee elaborou a “Teoria da Totalidade Cromática”, dividindo as cores por ‘grupos’. O eixo vertical central apresentava “(...) a escala de valores de claridade acromáticos desde o branco mais claro na parte superior até o preto mais escuro na parte inferior.” (ARNHEIM, 1980, p. 336) Nesta escala três são os pontos fundamentais: o preto, o branco e o cinza. A característica ‘acromática’ é justificada pela relação de luminosidade; o branco é a própria luz e o preto a ausência de luz. O preto e o branco também carregam valores simbólicos. O pintor Van Gogh os via como expressão do inverno. Sob outras perspectivas, a cor pode atuar na percepção de espaço aproximando (cores quentes) ou distanciando (cores frias)
São estes alguns procedimentos que podem auxiliar no processo de criação de uma imagem artística. Como foi dito no início, não são regras, pois, a criação é algo muito individual e dinâmico que transborda para além da razão. Tais procedimentos funcionam como orientação. O intuito era que os comentários sobre configuração, espaço, forma, etc. pudessem ao menos servir como matéria de conhecimento para a formação de um pensamento artístico. Pois estes procedimentos podem não somente contribuir para a criação artística, mas também facilitar a leitura de uma obra de arte.
Pensei também uma aula sobre a Quadrícula. O propósito dessa aula era apresentar um recurso artístico que pudesse auxiliar na ampliação/redução de desenhos. Não como obrigatoriedade, mas sim como opção. Recurso este denominado “Quadrícula”. Algo que facilitasse a experiência de deslizar o lápis sobre o papel para dar forma ao desenho em maior ou menor escala. O Dicionário Online Michaelis/UOL define este recurso linear como 'quadradinhos'. Nesta perspectiva, traçando linhas horizontais e verticais, segundo medidas pré-estabelecidas, é possível obter a malha quadriculada destinada a auxiliar na reprodução do desenho. Um texto foi elaborado a fim de compartilhar com os alunos o que fora pesquisado.
            A quadrícula ou malha quadriculada pode facilitar a reprodução de desenhos e desenvolver a capacidade de organização espacial, percepção e concentração. O recurso permite a proximidade com operações matemáticas. Tanto no traçado das linhas horizontais como naquelas verticais o cálculo é uma operação funcional. Por meio da quadrícula é possível reduzir ou ampliar qualquer desenho. Potencialidades que podem contribuir, em especial, à produção do Madonnaro quando se inicia na técnica. Este recurso é uma prática muito antiga. Comentando o processo de pintura mural do Antigo Egito, Mora&Philippot (2001) apontaram que aqueles homens já recorriam à quadrícula como recurso para a proporção das figuras e hieroglifos. Porém, nem todos os artistas fazem uso da quadrícula. Estes não a usam porque trabalham interpretando o modelo inicial e, portanto, não exploram a restituição ‘fiel’ da imagem.
            A fim de explorar o recurso da quadrícula, dentro dos objetivos da aula, oferecemos uma folha contendo uma imagem a ser ampliada. A partir daí, apresentamos aos alunos as seguintes etapas: 1) Observando o exemplo contido na folha, os alunos deveriam ‘medir’ a área total do desenho; 2) O próximo passo seria multiplicar essa medida pelo dobro – pois é o máximo de espaço permitido na folha A4; 3) Em seguida deveriam traçar as linhas internas obedecendo ao mesmo processo de multiplicação utilizado anteriormente, ou seja, 2:1. Obtendo assim, a malha quadriculada necessária para a ampliação. Aqui os alunos deveriam utilizar o lápis de maneira bem suave para que não ficassem ‘marcas’ no papel; 4) Nesta etapa, os alunos observariam o desenho-referência, este já sob a quadrícula (1:1), e iniciariam o processo de transposição ampliada da imagem. Devendo eles estar atentos à combinação entre letra (vertical) e números (horizontal), dispostos externamente ao desenho-referência, que serviriam como orientação. Dessa maneira, atentando à forma contida no quadrante A1, depois naquele A2 e assim sucessivamente seria possível realizar a ampliação utilizando o recurso; 5) Feito a transposição total do desenho era necessário apagar aquelas linhas que não faziam parte da obra. Se necessário poderiam ‘reavivar’ o desenho com linhas mais definidas.
Produzindo um Madonnaro. Nesta aula, os alunos deveriam executar o Madonnaro a partir dos estudos realizados em sala durante as aulas de Criação. Fora da sala de aula, no pátio da escola, em uma área coberta, os alunos executaram seus trabalhos. A área foi dividida em quadrados medindo cerca de 1,00m x 1,00m. Cada aluno pode ocupar um desses espaços. Em seguida, receberam o carvão e o giz branco para a execução do Madonnaro. Depois de breves orientações quanto à utilização do material, observação do estudo que tinham em mãos e cuidado para não obstruir ou danificar o trabalho do colega – já que estavam um ao lado do outro – os alunos puderam dar início ao processo produtivo do Madonnaro.
Por fim, a oitava e última aula. A avaliação bimestral, etapa obrigatória dentro do Projeto Político Pedagógico da escola, foi explorada não somente para sondar os conhecimentos adquiridos pelos alunos, mas também como instrumento de pesquisa quanto ao projeto que empreendemos. Sendo assim, elaboramos uma avaliação com base nos textos oferecidos aos alunos e nas experiências vivenciadas durante o projeto.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
A avaliação bimestral foi pensada como um instrumental para avaliação não apenas no que diz respeito ao sistema de notas, mas também como indicativo do que significou para os alunos o contato com o Madonnaro. Então foi a partir das respostas observadas naquele instrumental que levantei alguns resultados que enriquecessem a discussão quanto ao presente trabalho. Aquilo que relato abaixo foi apurado tendo como base a resposta dos alunos à seguinte pergunta: O que significou para você produzir uma obra em Madonnaro? Mediante ao que se pode observar na avaliação, de antemão, foi possível perceber que os alunos ficaram bastante impressionados com a efemeridade do Madonnaro. Disseram sobre outras coisas, mas volta e meia tocavam na questão da pouca durabilidade da obra madonnara.
Ao trazer para os alunos a história de uma técnica pictórica até então desconhecida, além do conhecimento intelectual, tal atividade possibilitou uma experiência intercultural. Um aluno do 8º ano revelou: “Foi uma aula muito interessante, porque nunca tinha ouvido falar nessa obra e isso significou muito, foi uma aula muito agradável.” Outro aluno da mesma turma opinou: “Significou pra (sic) mim aprender mais sobre outra cultura saber mais sobre coisas é sempre bom”. Ao que um terceiro aluno, este do 7º ano, declarou: “Muito interessante e divertido fica (sic) fazendo desenhos no chão. Desenhar oque (sic) você quiser, mais (sic) o triste é saber que um dia vai desaparecer.” Um aluno do 7º ano, levantando a questão da obra como produto, deu a seguinte declaração: “Pra (sic) mim é uma coisa muito linda de se fazer, mais ao mesmo tempo não é legal porque ela não dura, agente (sic) não pode levar para casa, como um quadro qualquer. Mas é uma coisa muito bonita. E eu adorei a experiência.” Como dito antes, a efemeridade parece ter impactado os alunos. Houve até quem comparasse tal efemeridade à transitoriedade da vida: “Significou bastante coisa a arte madonnaro nos mostra que tudo é passageiro, na hora sua obra te passa o que você quer sentir, logo após você vê que sumiu, que nada é eterno... Esse estilo artístico é até uma boa lição de vida”, escreveu um aluno 8º ano.
A experimentação dos materiais proporcionou uma experiência ímpar aos alunos, como se desprende dos comentários a seguir. Um aluno do 6º ano revelou: “Muito interessante, porque eu nunca fiz nada igual. Eu pensava que o carvão só servia pra (sic) fazer fogo.” Seu colega de turma, destacando o desgaste físico requerido com a técnica, revelou: “Eu gostei muito, e sei que é uma técnica barata e tem como fazer em casa, o melhor é que é bem fácil de fazer e podemos fazer em casa sem nenhuma preocupação. A única coisa que eu observei é que machuca muito a coluna e os joelhos, é necessário tem (sic) bom porte físico.” Um aluno do 7º ano vibra com a possibilidade do contorno e o alcance da melhor definição do desenho: “Bom, achei bem interessante porque nós usamos giz e carvão. E os desenhos ficam muito interecentes (sic) quando damos o contorno com o giz e depois pintamos com o carvão a parte que desejamos.” Outro aluno do 7º ano: “Foi legal utilizar instrumentos bobos com o chão o giz e o carvão. Pintar o chão da escola também foi legal.” Já para um aluno 9º ano “significou nada mais nada menos do que se expressar apenas com o carvão e o giz mesmo sabendo que uma chuva ou até mesmo os ‘passos de pessoas’ poderiam apagar.”
Refletir sobre o Salão Preto e Branco de 1954 possibilitou trabalhar com os alunos a força da mobilização. Ao organizarem aquele evento os artistas queriam mais que uma exposição de obras de arte. Almejaram uma mobilização para protestar contra os altos valores dos impostos sobre a importação de tintas pensando em se fazer ouvidos. Da mesma maneira trabalhei com os alunos a necessidade da mobilização como forma de discurso social. Discurso que unifica individualidades sem fragmentar autonomias. Assim, se algo na escola não está indo bem, os alunos podem se mobilizar para o diálogo com a direção. Ainda refleti com eles a importância de pensar o protesto pacífico que enriqueça, acirre debates em torno de questões coletivas sem causar, no entanto, destruição ou violência.
Enquanto procedimentos de criação cada uma das turmas do Ensino Fundamental II trabalhou com um artista específico relacionado ao Salão Preto e Branco de 1954: Milton Dacosta (6º ano); Renina Katz (7º ano); Iberê Camargo (8º ano); e Oswaldo Goeldi (9º ano). A partir de análises das obras desses artistas se pode explorar as formas 'recortadas', a linha 'econômica', a composição simples e a 'proximidade' temática com o cotidiano dos alunos. O fato de estarem iniciando o contato com o Madonnaro requereu como experimentação formas menos complexas, sem 'passagens' tonais ou desenhos 'renascentistas'. Os estudantes tiveram acesso a três imagens dos artistas correspondentes à sua turma. Mediante elas, observando-as com cuidado, puderam compor uma nova imagem a partir de seus elementos formais internos e estilo. Foi a partir dessa nova obra que eles realizaram seu Madonnaro final no pátio da escola. A idéia era possibilitar a vivência dos conteúdos procedimentais previstos nas linhas que desenham nossa Educação, quais sejam: conceituais, atitudinais e procedimentais.
Ainda foi lembrado a questão da preservação do patrimônio. Eis o que disse um aluno do 6º ano: “Eu gostei de produzir madonnaro, porque não acaba com o nosso pratimônio (sic), ou seja, o artista produz a obra, as pessoas gostam e depois quando ninguém mais querer (sic) ver todo mundo passa em cima ou chove, desaparece... E assim não fica que nem pixação (sic).” Contra a efemeridade um aluno do 7º ano sugeriu perpetuar a obra em uma fotografia:  “Significou algo que não dura, por isso acho melhor, quando você acabar de fazer o madonnaro tire uma foto. Porque se não (sic), não irá valer a pena fazer o madonnaro.” Cabe ressaltar que vários alunos utilizaram seus celulares para registrar os trabalhos finais.
A realização da aula fora do ambiente da sala foi lembrada por alguns alunos. Um aluno do 8º ano confessou: “Foi bem legal, pelo fato de ser diferente e a aula também foi bem criativa sendo lá fora, achei uma técnica legal mais que podia durar mais.” No que um colega de turma reforça: “Foi muito legal, pois a turma saiu da sala e desenhou em um espaço externo, saindo do tradicional. A pena é que o madonnaro durou pouco.” Parece que a prática Madonnaro contribuiu para elevar a auto-estima dos alunos. O aluno do 9º ano arriscou: “Significou muito pra mim porque foi legal reproduzir um desenho que eu criei lá fora para todos vêem e essa técnica é legal por isso.”

CONCLUSÃO
Por meio da produção dos Madonnari, os participantes puderam explorar o carvão vegetal (preto) e o giz (branco) como possibilidades de criação artística. Sem contar que diante das limitações orçamentárias e financeiras se trata de um material econômico e acessível. Intervir sobre o pavimento permitiu aos alunos compreender o espaço físico da escola como patrimônio a ser preservado. O contato com a técnica italiana de pintura propôs uma relação intercultural. Entender a importância do Salão Preto e Branco no cenário artístico e social brasileiro abriu caminho para a reflexão quanto à mobilidade social. O que reforça a força do Madonnaro enquanto instrumento para práticas educativas.
Mais que isso, o Madonnaro é uma estrada para se pensar soluções e formas de discurso através dos elementos da arte. Por meio do Madonnaro podemos ‘falar’ o que pensamos ou sentimos. A cor, a linha e a forma são como as palavras que pronunciamos. Saber explorar tais elementos é como articular um texto escrito ou um discurso falado. Ainda, a experiência vivenciada através do projeto no Colégio Wanderley Menezes permitiu concluir que a técnica pictórica do Madonnaro se mostrou interdisciplinar. É possível refletir sobre a arte, a história, a matemática... e a vida. Diante de tudo isso, foi possível repensar a si próprio como cidadão autônomo e responsável inserido numa coletividade. Por isso, o Madonnaro se mostrou uma técnica pictórica de amplas possibilidades pedagógicas para a mediação de saberes.

REFERÊNCIAS:
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NAALIN, Felice. L'arte dei madonnari. Le tecniche. Del segno e del colore. Firenze, Itália, Giunti Demetra, 2000. Disponível em: <https://books.google.com.br/books>. Acesso em: 03 de novembro de 2014.

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